Casa da Palavra



A Casa da Palavra é um espaço dedicado à cultural literária. O seu trabalho é voltado aos amantes da literatura, filosofia, artistas e estudantes.

Ela abriga em seu espaço a Escola Livre de Literatura, que se destina exclusivamente à difusão da Literatura, e à formação de novos leitores e escritores.

Este espaço é um equipamento da Secretaria de Cultura de Santo André.

Local: Praça do Carmo, 171, Centro – Santo André, SP.
Contato: 4992-7218


sábado

Vanessa Molnar

Frequentadora da Casa e colaboradora da Ell .


Textos:

SOBRE LITERATURA E ESCRITORES

Descobri recentemente que não é difícil escrever crítica literária na internet acima da média como pensam alguns escritores, basta ficar fora da roda das subvenções e ter coragem de falar o que pensa sem se importar com as conseqüências. Isso não é tão difícil já que as subvenções e prêmios são sempre para os mesmos ou, com raras exceções, para gente muito ruim, mas que dá ao mercado exatamente o que ele quer: produtos. Daí que ganhar uma medalha de má conduta e boa escrita não é algo tão complicado assim. O problema é que esse povo não tem coragem de defender suas opiniões abertamente e todos os encontros literários parecem a crônica de uma tara gentil (título do meu livro se eu conseguir a maldita subvenção). Pergunto-me se estar fora da roda desse jeito e se tornar persona non grata não é uma fórmula inversa e muito mais divertida de ingressar no jogo.

Sem dúvida escritores falam muita besteira, o famoso e mal afamado MM reclama das subvenções governamentais, mas afirma que não deixa de participar delas, apesar de saber que nunca será contemplado, pois mete o pau em Deus e no Mundo e para os desavisados isso faz parte do show dele, se diverte porque sabe que escreve bons livros e sabe que é isso o que importa ou deveria importar. No entanto não abandona de vez a cena da fofoca literária, provavelmente porque precisa pagar suas contas, não é tão ruim se considerarmos que é uma das poucas vozes discordantes na atual cena do que é chamado literatura contemporânea.

Já vi escritores falando que literatura não serve para nada, isso deve justificar a razão pela qual eles não fazem nada, já que o que fazem não é literatura é algo que nem mesmo eles sabem o que é e o pior é que literatura não serve pra nada mesmo, o problema da humanização e da educação está fora de moda e eles tentam se inserir no mercado do entretenimento, mas acabam presos dentro do pequeno círculo das vaidades humanas, categorizo: Escritores que escrevem para amigos escritores.

Quanto às subvenções deveriam ser porta de entrada para autores realmente talentosos e jovens e não forma de sustento para escribas profissionais. Já vi escritor falando que a internet incentiva os jovens a ler e escrever, quem pensa isso não convive com centenas de adolescentes bestializados pelo MSN e pelos Orkuts da vida, é uma linguagem pobre e desarticulada que se reflete diretamente na forma deles se comunicarem e pensarem, se não acreditam, experimentem conversar com um, o mundo está cheio deles, vá dar aula no estado e confira.

Já vi escritores falando que o romance é a obra prima da literatura, “que não tem jeito, grande escritor faz romance” (palavras da dita cuja que hoje faz ponta no Entrelinhas) e concluí que a besta nunca leu Borges ou Tchecov e por isso não podia ser levada a sério.

Já vi escritores falando que não acreditam em oficina literária a partir do momento em que raras pessoas têm talento e elas só servem pra formar grupinhos medíocres de auto-ajuda através do elogio gratuito. Embora concorde com a existência desses grupinhos, compreendo que o objetivo de uma boa oficina não é formar escritores, mas leitores (espécie em extinção) e mostrar que a literatura é trabalho, ou seja – não basta rabiscar versos nos guardanapos do boteco para ser poeta!

A conclusão óbvia? Leia os livros é neles que está a resposta.

CONTO DO DRAGÃO

Era assim, um amor colecionado entre ruínas e cheiros de castelos, cafés requentados ou casacos costurados pelo tempo de um frio que não existe mais, amarrado por fitas rasgadas de presentes não dados que destruíram momentos perfeitos. No bar ele gesticulava e alternava copos que se perderam com cigarros cerrados e olhares tímidos para os corpos que sumiam nas portas dos banheiros.

Nenhuma aberração se escondia sob a roupa puída, a barba mal feita ou as unhas sujas, nenhuma palavra escapava pelos buracos dos dentes, das roupas ou dos cabelos comidos pelo tempo. Ele caminhava refugiado, soldado esquecido na fila da sopa. Ela veio num dia frio, com seus únicos pertences: uma blusa azul Royal encardida, fotos amareladas de uma suposta família e um sorriso que iluminava a coluna torta e se ajeitou no silêncio do cobertor compartilhado.

Durante meses não trocaram palavra e ele lhe trazia pedaços de pão, bitucas de cigarro, restos de comida e revistas que conseguia perambulando pela cidade. Ela era uma planta, uma rosa, um vaso e ele seguia sem preocupações. Amarrou fitas no seu cabelo, arrumou-lhe sapatos, mas ela continuou sentada no círculo que tinha escolhido como mundo e seu corpo ganhou vida e gerou outra rosa. Vieram os vizinhos, as visitas e os presentes, os para - médicos e os curiosos. Arrumaram-lhe uma manjedoura, um manto, uma mala e uma passagem de ônibus para a Bahia, mas ela continuava ali, imóvel e nem parecia amar a filha. E ele lhe trazia chupetas usadas, trapos que já foram fraldas e penteava seus cabelos, cada dia mais longos.

Vieram os jornalistas, a assistência social e a polícia e ela indiferente, mesmo quando a colocaram no camburão, ela não sorriu, nem disse adeus e ele seguiu com sua coleção de ruínas, fitas, chupetas, silêncios e cheiros, dragão solitário sob o viaduto vazio.

PEQUENA EPOPÉIA TUPINIQUIM

Quando abri o e-mail e li a proposta do exercício da aula que perdi, não pude deixar de rir, Cage III, (Jaula) - Definir o selvagem - Dissertar sobre ele. Desobedecendo as regras (que foram feitas pra isso) corri pro dicionário: Selvagem: Que vive na Selva, óbvio demais, lugar deserto, ser inculto, não civilizado, etc. O problema é que eles (os organizadores de dicionários) não sabem que viver na floresta, hoje, não tem a mínima importância, a não ser que você queira fazer mais um daqueles filmes exóticos sobre nossa já extinta “fauna” indígena, tipo “Quarup”. Mas pense bem, porque não é mais coincidência que nossas cabeças e corpos tenham o mesmo formato, assim como as Havaianas (ultima moda na Europa) e as necessidades de consumo: comprar bicicletas, motocas, TV a cabo, ver novela, ser igual a milhares e milhares de brasileiros, todos guiados por uma gigantesca antena parabólica, não importa se no confim da Amazônia e das queimadas, num apartamento do CDHU na zona leste ou numa “Kit” alugada no centro de São Paulo, Tóquio, Berlim.......desde que você tenha Credicard, entre numa loja de conveniência, sorria ao ser filmado e aceite de bom grado a sapiência dos nossos dirigentes, esses sim, civilizados.

Mas se o bom selvagem deixou de existir com ou sem a conivência do nosso velho Rousseau, isso deve ter ocorrido há muito tempo e com certeza não foi por culpa dele. É difícil definir a data exata depois de tantos séculos. Podemos imaginar um selvagem legítimo trocando umas toras de Pau Brasil, que afinal não serviam para nada, por uma série de espelhos, pentes e outras bugigangas, que também não serviam para nada e isso é tudo. O que os gentios não sabiam é que depois das toras, eles, (os civilizados) iam querer o ouro, a terra e o sangue deles. Dizem os relatos de cronistas que no início os índios não se preocuparam com a ocupação do litoral pelos homens brancos, afinal o que é um pedaço de terra nesse paraíso imenso chamado Brasil?

Depois que a terra prometida, não se sabe direito por quem, foi ocupada e os pobres selvagens devidamente civilizados através de genocídios legítimos, mas sem ritual antropofágico, o conceito de selvagem pôde ser aplicado a qualquer um que represente uma ameaça ao estado vigente das coisas. Durante muito tempo foram considerados selvagens os jovens de classe média que não cortavam os cabelos, insistiam em não tomar banho, fumavam um baseado, tomavam LSD, não queriam trabalhar, protestavam contra guerras distantes, defendiam a liberdade sexual e a igualdade de gêneros e passavam o dia curtindo o som agudo das recém inventadas guitarras elétricas. A esse pequeno grupo de selvagens juntou-se um outro, de viés mais político que comportamental, que curtia uma coisa chamada MPB, era contra o regime instituído no país, também curtia um baseado e defendia coisas absurdas como guerrilha urbana e um tal de comunismo, que ninguém sabia direito o que era, ou melhor, o que seria.

Apesar das dificuldades, esse grupo de selvagens foi sendo diluído através de uma coisa chamada mercado, mas há quem acredite que a pá de cal foi mesmo a queda do muro de Berlim, o fim do comunismo na União Soviética e as denúncias do abuso de poder do regime stalinista. A maioria dos selvagens, absolutamente abalada, optou pelos prazeres imediatos da indústria de consumo, alguns publicaram livros, outros lançaram discos e quando alguns subiram ao poder, as coisas foram apaziguadas. O LSD foi substituído por outras drogas, que geraram o tráfico, uma corporação para-governamental milionária que lucra horrores empregando alguns jovens da periferia e mantendo outros (de classe média) aparentemente felizes.

Por outro lado, a AIDS veio unir forças com o conservadorismo cristão e a tão clamada “liberdade sexual” voltou para os braços da família e da igreja. Mas a “guerra – justa” aos selvagens permanece implacável através de algumas medidas necessárias: O desmonte total do sistema educacional e cultural brasileiro, o descaso com a saúde, os acordos com o FMI e a destruição do meio ambiente. Enquanto isso, quem estiver infeliz pode fazer um crediário nas Casas Bahia e comprar uma TV de plasma para acompanhar de perto a próxima Copa do Mundo. Tupy, or no tupy, that is the question

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